Aproximar um dos pontos mais emblemáticos da cidade de Lisboa das pessoas é o objetivo do projeto AlmaLisboa, que propõe a criação de corredores pedonais e cicláveis para o atravessamento da Ponte 25 de Abril.
A ideia está a ser alimentada pelos esforços e crença de António Pinto dos Santos, funcionário da Brisa mas defensor deste projeto a título pessoal, que se inspirou no caso de sucesso daquela que é uma ponte com evidentes semelhanças com a 25 de Abril, neste caso a Golden Gate, na Baía de São Francisco, nos Estados Unidos da América (EUA). Num projeto que tem tanto de entusiasmo quanto de paixão, o AlmaLisboa pretende dar às pessoas – habitantes das cidades de Almada e Lisboa e turistas – uma forma de atravessar o rio Tejo de forma alternativa e mais sustentável para quem desejasse fazê-lo de bicicleta.
Para quem não conhece, Pinto dos Santos é um decano do automobilismo, com múltiplas participações em provas do Mundial de Ralis ao volante de uma simples e aparentemente pouco competitiva Renault 4L – provas como as disputadas na Suécia, Grécia ou Catalunha puseram homem e máquina à prova. Por isso, com todo este passado, António Pinto dos Santos faz questão de se apelidar como um “homem dos automóveis”, mas também um entusiasta da ideia de unir as duas cidades através da mobilidade ‘suave’, considerando que não são ideias incompatíveis.
O sonho americano
O conceito para o projeto AlmaLisboa tem uma génese bem traçada: os dias 22, 23 e 24 de abril de 2004, quando ao abrigo de uma ação de formação no IST promovida pelo Professor Fernando Nunes da Silva, denominada ‘Gestão da Circulação e do Estacionamento Urbano’, o especialista e professor Philippe Bovy foi um dos convidados, mostrando desde logo o seu encanto com a cidade, mas incompreensão pelo facto de não haver na Ponte 25 de Abril uma ciclovia ou uma passagem pedonal, declarando não entender “uma razão para essa grave lacuna”.
Pinto dos Santos recorda as palavras de Bovy quando este lhe disse que “estranhava” estar numa ponte numa cidade como Lisboa com uma “exposição tão parecida com a de São Francisco e ‘como é que a vossa ponte não tem uma passagem pedonal’. Achou estranhíssimo porque era a primeira vez, praticamente, que ele via uma ponte deste calibre, que tinha tudo menos uma passagem do género. Nem ninguém conseguiu dar uma explicação para isso”.
Recordando por diversas vezes que nos EUA existem já dois bons exemplos deste tipo de passagens ‘suaves’ em pontes, funcionando como pontos turísticos e ponto de passagem diária para milhares de cidadãos locais, nomeadamente as pontes Golden Gate (que adianta ser o local mais visitado da cidade) e de Brooklyn, esta última que permite uma vista única da cidade de Nova Iorque. Pinto dos Santos chegou mesmo a visitar a Golden Gate a convite do diretor de mobilidade de São Francisco, depois deste saber do interesse do português na criação de uma solução semelhante em Lisboa.
Faísca que dê origem ao projeto
Na ótica de Pinto dos Santos, a abertura de caminhos pedonais ou cicláveis na Ponte 25 de Abril teria várias vantagens, sendo que a mais óbvia seria a possibilidade de retirar muitos automóveis da cidade de Lisboa por intermédio deste tipo de mobilidade numa época em que muito se fala de mobilidade sustentável.
“A minha missão tem um único objetivo: despertar as diversas entidades (de entre as quais as autarquias de Lisboa e de Almada, a Infraestruturas de Portugal e o ministro [do Planeamento e das Infraestruturas] Pedro Marques para o grande benefício que constituiria a construção da ciclovia/passagem pedonal na ponte 25 de abril. Em primeiro lugar, aumentar de apenas 1% atual para 9%, em cerca de 10 anos a percentagem dos modos ‘suaves’ de transporte na mobilidade total na zona metropolitana de Lisboa. Desta mudança resultaria logo a diminuição de cerca de 20.000 automóveis por dia a entrar em Lisboa”, explica, acrescentando que seria uma forma da autarquia lisboeta “prosseguir o seu caminho de retirar o automóvel do centro de Lisboa e à superfície, valorizando os espaços (praças e avenidas principais com menos carros estacionados à vista)”. Uma vez mais, o exemplo de São Francisco, que passou de 3% para quase 10% a transferência da mobilidade automóvel para um meio ‘suave’ e “hoje com as bicicletas elétricas seria ainda mais fácil”.
Além disso, aponta Pinto dos Santos, a qualidade de vida dos cidadãos não seria beneficiada apenas pelo facto de se perder menos tempo ‘preso’ no trânsito matutino e vespertino usual dos fluxos diários, mas também incentiva “muitos almadenses a deslocarem-se para o trabalho, em Lisboa, de bicicleta, pois a travessia deixa de ter custos de portagem”, o que beneficiaria igualmente a condição física e saúde dos que assim o fizessem.
Mais-valia turística
Noutros pontos, refere que se poderia diminuir os impactos de greves nas travessias de barco e trazer para a cidade de Lisboa, atualmente tão em voga no que diz respeito a aspetos de turismo, um claro benefício para o turismo, já que facultaria aos visitantes – estrangeiros e nacionais – “uma das melhores vistas de Lisboa”.
Para tal, refere que a solução seria a construção de dois elevadores de grande capacidade junto aos pilares sobre a zona pedonal das docas de Alcântara, sendo este um acesso pago para que os peões pudessem aceder diretamente ao tabuleiro da ponte, sendo essa verba alocada para garantir a sustentabilidade dos equipamentos.
Para quem usasse os caminhos para o seu percurso diário, seriam criados percursos nas próprias ligações do tabuleiro inferior a terra de um lado e doutro, utilizando as conexões já criadas para o acesso dos comboios. “A comunicação entre o tabuleiro e o viaduto em betão é através do pilar, que é oco. A passagem pode ir através do pilar, abrem-se umas zonas do lado do tabuleiro e do viaduto e na base da viga do comboio há largura mais do que suficiente para fazer a comunicação entre os dois pontos num lado e noutro e, uma vez mais sem interferir na circulação dos comboios”, especifica, argumentando que o facto de ser um projeto sem qualquer impacto para a utilização diária da ponte é uma vantagem.
Conversas exploratórias
Até ao momento, ainda não existem passos concretos para a concretização do projeto, mas Pinto dos Santos adianta que já existiram contactos exploratórios – que ainda não passaram disso, mas que podem vir a ser algo real caso mais entidades se interessem pelo mesmo.
“Todo o processo de desenvolvimento ou de interesse de estar a convencer as várias entidades a alinhar nisto é algo complexo. O passo deve ser dado pela autarquias, depois passar para a entidade que tutela a ponte, que é Infraestruturas de Portugal (IP) e este é comandado pelo ministro Pedro Marques, pelo que tudo isto é um processo intrincado. Curiosamente, o projeto não tem nada que ver com a Lusoponte, que tem a concessão rodoviária, ferroviária e dos restantes meios. Não interfere com nada, nem sequer com os comboios, que é uma vantagem deste projeto. Ou seja, não interfere com nenhuma das atuais valências da ponte atualmente, podendo decorrer sem qualquer interferência.