De pequena extravagância automóvel a tendência do futuro. Eis um resumo muito sucinto da forma como a tecnologia elétrica se conseguiu impor no seio da indústria, obrigando fabricantes, legisladores e cidadãos a repensarem os seus conceitos de mobilidade.
Bastou cerca de uma década para que os veículos elétricos se tornassem numa visão recorrente nas nossas estradas, progredindo velozmente ao ritmo das evoluções tecnológicas doutras áreas e de sinergias que mostraram o caminho a seguir para muitos dos fabricantes.
Numa era em que as alterações climáticas têm vindo a ganhar cada vez mais notoriedade e muitas das grandes capitais europeias têm sentido os efeitos da poluição atmosférica, dois eixos alinharam-se para acelerar o desenvolvimento e implementação dos veículos elétricos: o primeiro, resultante da consciencialização da própria sociedade de que a tecnologia elétrica é uma forma de combater essas mesmas consequências e, o segundo, na forma como as próprias entidades legisladoras – sobretudo autárquicas – foram trabalhando para combater a poluição, com os veículos de combustão interna a serem os visados nessa abordagem.
Face a isso, os construtores – muitos dos quais já com anos de pesquisa desta tecnologia – aceleraram o seu empenho na mesma, procurando adiantar-se no mercado. Um dos exemplos mais evidentes é o da Nissan, que em 2010 colocou nos concessionários o seu Leaf, um modelo 100% elétrico cujo visual era vincadamente diferente, tal como o seu conceito – sem barulho, sem emissões, sem combustível fóssil. Estava dado um primeiro passo. Por outro lado, a Mitsubishi também surgia com o seu mais compacto i-MiEV, um citadino que depois viria também a dar origem a dois congéneres do Grupo PSA, o Citroën C-Zero e o Peugeot iOn.
Mas, todos eles eram vistos como propostas de nicho numa fase inicial, acabando por ser o Nissan aquele que maior sucesso representou em termos de vendas. De tal forma que, em 2018, entra na sua segunda geração com o estatuto de ‘elétrico mais vendido do mundo’. No grande esquema da disseminação dos elétricos, o papel de Elon Musk não é secundário. O empreendedor americano trouxe a Tesla para a ribalta, inicialmente com um Roadster que era baseado no Lotus Elise, mas diferente em diversos aspetos. Desde logo, a sua motorização, mas também a própria conceção do chassis.
Pertence a Musk, porém, um grande papel na forma como os veículos elétricos se democratizaram de forma mais acelerada, começando pelos Estados Unidos com os seus Model S e, mais tarde, Model X. O caminho percorrido pela Tesla levou-a ao patamar de marca automóvel mais valiosa do país, batendo a histórica Ford, por exemplo. Hoje, aliás, a Tesla é uma empresa de serviços energéticos, com oferta de dispositivos de armazenamento e produção de energia a partir de fontes renováveis.
Esses exemplos levaram a que praticamente todos os construtores pensem hoje na eletrificação – até mesmo a Ferrari, com o seu presidente, Sergio Marchionne a considerar que um desportivo elétrico em Maranello será uma questão de tempo. Também marcas como a Lamborghini ou Bentley caminham no mesmo sentido, perdendo-se os últimos estigmas em relação a este tipo de tecnologia.
No entanto, a mobilidade elétrica atravessa ainda muitas incógnitas e alguns obstáculos que terá de superar no futuro mais próximo. O primeiro dos quais é a questão da autonomia e tempos de carregamento. A primeira é predominantemente curta e os segundos predominantemente demorados. Vão sendo feitos progressos em ambas as áreas, mas a longevidade de uma carga de bateria ainda não lhe permite, por exemplo, ter a mesma competência em longas tiradas como acontece num congénere alimentado por combustíveis fósseis. Além disso, os tempos de carregamento tendem a ser elevados e os pontos de carga ainda são escassos em número, isto atendendo ao número cada vez mais crescente de veículos elétricos nas estradas.
Os incentivos vão ajudando os veículos elétricos a ganharem mais espaço, havendo uma correlação sensível entre a sua oferta e as vendas de elétricos, mas este é também um desafio para o setor, uma vez que os incentivos tendem a ser temporários, servindo apenas como fatores instigadores da mudança e não como a mudança em si. Essa terá de vir da redução dos custos de produção das baterias, da redução do custo da matéria-prima e da conceção de uma rede de carregamento eficaz, bem mantida e rápida. E, no que diz respeito à energia elétrica, importa que seja fornecida por uma rede pública estável e resultante de energias renováveis, por oposição à produção de origem nos combustíveis fósseis.
A este respeito, ditam-se tendências e fórmulas para o futuro: carregamento por indução, redes bidirecionais (V2G) que permitem comprar e revender energia elétrica à rede – este aspeto já é possível nalguns países – e baterias mais evoluídas com materiais que tornam os carregamentos mais rápidos. Todos estes conceitos poderão estar presentes daqui a não muito tempo na vida quotidiana de todos.
Outros desafios se levantam, em âmbitos mais latos. Havendo aqui uma abordagem de evolução a dois ritmos, o progresso da tecnologia nos países mais evoluídos do mundo poderá aprofundar a clivagem para os países em vias de desenvolvimento que, a braços com problemas maiores em termos de sociedade (como a escolarização ou erradicação da fome, entre outros), poderão não ter os meios necessários para ‘embarcarem’ no barco da mobilidade elétrica. Neste capítulo, há quem advogue que os países em desenvolvimento terão aqui uma oportunidade de ouro para reduzir a sua diferença, uma vez que o facto de terem um ritmo mais lento de evolução fá-los-á saltar as etapas redundantes ou erradas, aproveitando dessa forma os ensinamentos e exemplos bem-sucedidos doutros países. Além disso, abrem-se aqui potenciais fontes de negócio também nesses países.
Um bom exemplo disso é a China, país que tem vindo a apostar fortemente nos veículos elétricos como forma de tentar aliviar os efeitos das perigosíssimas nuvens de poluição que caem nas suas principais cidades, causando problemas de saúde severos a longo termo aos seus habitantes. Na atualidade, cabe à China uma posição de quase liderança nesta capítulo, com uma grande parte de elétricos já nas estradas.
No caminho da mobilidade alternativa, muitos dos fabricantes automóveis continuam apostados na pesquisa da pilha de combustível a hidrogénio, que olham como uma potencial forma de mobilidade para o futuro. Rápido de abastecer e com autonomias menos flutuantes – sobretudo, mais longas – o hidrogénio pode vir a ser lançado como uma forma de mobilidade realista, assentando numa rede de abastecimento de que muitas marcas já têm evidenciado empenho, como por exemplo a Toyota, Honda, BMW, Mercedes-Benz, Hyundai e General Motors. Para a sua utilização, um dos principais óbices é a própria rede de abastecimento e a forma não tão ecológica da sua produção e transporte.
No mais recente filme da saga ‘Exterminador Implacável’, o ciborgue que é interpretado por Arnold Schwarzenegger assume características humanas de envelhecimento. A meio do filme, o T-800 (eis o nome técnico do ciborgue) responde a quem duvida das suas capacidades com um lacónico ‘estou velho, mas não obsoleto’. O que é que isso tem a ver com os motores de combustão? Obviamente, salvaguardando as devidas diferenças, os motores de combustão interna assumem a sua antiguidade, mas ainda não são obsoletos.
Aliás, não existirá nenhum fabricante que não esteja a trabalhar em formas de os tornar mais modernos e mais eficientes. Seja por forma de desativação de cilindros, de taxas de compressão variadas (como o caso do já apresentado motor da Infiniti) ou pela atuação de sistemas elétricos de 48 V, o motor de combustão interna ainda tem margem de progressão, sobretudo se se tiver em conta que podem ser acoplados a motores elétricos para criarem o melhor de dois mundos na forma de híbridos Plug-in.
Já no que diz respeito aos combustíveis, a principal mudança estará na ascensão mais forte da gasolina face ao Diesel, sobretudo com o crescente aumento do custo na ‘limpeza’ deste último para responder às mais exigentes metas anti-poluição em termos de CO2 (dióxido de carbono) e do prejudicial NOx (óxido de azoto). É previsível, por outro lado, que venham a perder peso no mercado com a chegada contínua de novos modelos alimentados por eletricidade.
Tendo chegado a ambicionar a posição de país na vanguarda da mobilidade elétrica, a crise de 2011-2013 obrigou Portugal a colocar os seus planos em ‘espera’, só voltando ao seu plano de eletrificação mais recentemente, sobretudo com o número de veículos nas estradas a duplicar.
No ano de 2017, de acordo com dados revelados pela Associação Automóvel de Portugal, foram matriculados 1640 veículos 100% elétricos, o que representa um aumento de 116,9% face ao ano transacto (813 em 2016), esperando-se que em 2018 supere os 3000 veículos e os 2% de quota total do mercado, beneficiando uma vez mais dos incentivos fornecidos pelo Estado para 1000 candidaturas a veículos elétricos, mas já não se reduzindo exclusivamente a esses. A melhoria da rede de carregamento será também determinante para o previsível aumento das vendas dos elétricos.
Por todas estas razões, o futuro tem todas as razões para ser elétrico, mas os desafios não desapareceram. Ficaram mais explícitos e abordá-los é agora mais fácil, mas há ainda muito trabalho pela frente, sobretudo no que diz respeito à questão da autonomia dos elétricos e seu carregamento. Por enquanto, os híbridos afiguram-se como a melhor solução, mais competente em termos de ambivalência de funcionamento, mas também com custos ainda elevados. Que venha o futuro…