Na era da eletrificação em que cada vez mais os construtores automóveis se afastam dos tradicionais motores de combustão interna alimentados por combustíveis fósseis, a transição para uma sociedade ‘limpa’ em termos de emissões poluentes encontra um outro desafio, face ao elevado número de automóveis ainda com motores térmicos que se manterão na estrada por mais uns anos. Esta condição torna-se tanto mais relevante no sentido em que o processo de eletrificação irá decorrer a diferentes velocidades em diferentes partes do mundo.
A resposta para estes de forma a atingir-se a neutralidade carbónica estará também nos combustíveis sintéticos, produzidos de forma sustentável e pensados para reduzir ou eliminar as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera.
A Prio, cada vez mais multifacetada na oferta de soluções para a mobilidade, é uma das empresas que trabalha no desenvolvimento dos combustíveis sintéticos, acreditando que este terá um papel importante na consolidação de uma mobilidade mais sustentável, como explica em entrevista o Engenheiro Emanuel Proença, responsável pela área dos combustíveis sintéticos.
P: Numa fase em que cada vez mais se advoga a eletrificação da mobilidade, que significado podem ter os biocombustíveis no panorama atual?
Emanuel Proença: Os biocombustíveis estão connosco há já mais de uma década, tal como a mobilidade elétrica. Enquanto que a mobilidade elétrica parece estar finalmente a descolar e a ganhar dimensão, os biocombustíveis ganharam dimensão logo na primeira metade da década de 2010, por poderem ser misturados diretamente no gasóleo e, dessa forma, substituir parte de um recurso derivado de petróleo, nos mesmos carros que sempre se usaram. No entanto, rapidamente começaram a surgir desafios, sobretudo pelo facto de estes serem produzidos com recurso a matérias primas agrícolas que competem com a alimentação.
Os biocombustíveis avançados, esses, só agora estão a começar. Diferem dos primeiros por serem mais avançados tecnologicamente, e por serem produzidos a partir de matérias primas residuais, isto é, por serem um resultado puro da economia circular, em que se recupera resíduos que seriam altamente poluentes se não fossem aproveitados e transformados em energia líquida. Desta forma, não só são altamente sustentáveis e emitem muito menos CO2, mas também têm efeitos colaterais muito positivos, como a redução do desperdício, a mitigação de impactos ambientais severos, a criação de emprego e de riqueza, e a substituição rápida e em larga escala de derivados de petróleo, sem necessidade de investimento em nova logística ou novos veículos.
Os biocombustíveis avançados são, portanto, altamente complementares à mobilidade elétrica. Na verdade, têm muitos benefícios indispensáveis à nossa economia e ao nosso ambiente, e podem ser adotados de forma mais rápida. É nossa posição que o seu desenvolvimento será até acelerado em paralelo com o crescimento do recurso à eletricidade para a mobilidade, e com o aumento da vontade de desenvolvimento de um mundo melhor e mais sustentável.
P: Poderão os biocombustíveis ser uma ‘linha de vida’ para os motores de combustão atuais, sobretudo quando se olha para um parque automóvel mais envelhecido como o português?
EP: São efetivamente uma linha de vida, porque podem fazer com que o uso de alguns destes motores se torne sustentável literalmente de um dia para o outro. Aplicámos isso na prática com o primeiro piloto de Zero Diesel (o nosso combustível líquido 100% sustentável, com 0% de combustíveis fósseis), feito com a Carris ao longo do último ano e meio. Para muitas empresas, sobretudo as que gerem grandes frotas de transportes de passageiros ou mercadorias, trocar a frota toda não é viável, sobretudo por veículos que podem não oferecer as mesmas características de performance operacional e versatilidade. Com esta solução, essas empresas podem participar na transição para uma economia verde sem pôr em causa o seu próprio modelo de desenvolvimento e sustentabilidade. Ganha também o país, que valoriza um resíduo, evita importações de petróleo, e aproveita melhor os veículos sem precisar de comprar novos, com nova tecnologia de base, antes do fim de vida dos atuais.
P: Que impacto é que poderá ter, em termos ecológicos, a adoção destes biocombustíveis (por exemplo na redução das emissões poluentes)?
EP: Cada litro de Eco Diesel (15% renovável) reduz até 18% as emissões de CO2 que dele resultam face ao gasóleo puro convencional. Isto acontece porque o Eco Diesel é composto por 15% de matéria de base renovável ou composto por 15% de fonte de energia renovável, mas também porque permite consumos ligeiramente inferiores ao gasóleo a cada 100km, melhorando a lubrificação do veículo, tornando-o de uma forma global mais eficiente. Os veículos ligeiros atuais são na sua maioria compatíveis com o uso deste combustível, tal como o são os veículos pesados. Infelizmente, a indústria automóvel não coopera tanto quanto deveria, e coloca dúvidas infundadas à sua utilização – aqui, a UE também tem culpa, porque os incentiva fortemente a promover soluções elétricas (com emissões locais zero) mas esquece-se de os incentivar a promover estas soluções (com emissões globais menores, mas locais maiores que zero).
Cada litro de Zero Diesel (100% renovável) reduz até 86% as emissões de CO2 – neste caso, infelizmente nem todos os veículos estão já preparados para o usar (os ligeiros de passageiros por exemplo não estão), mas muitos dos veículos pesados estão. É nesses que advogamos que se deve assegurar a utilização de soluções como esta o quanto antes.
Acrescem a isto os efeitos ambientais indesejados que são evitados ao reciclarmos os óleos alimentares usados, permitindo a valorização dos resíduos. A título de exemplo, um litro de óleo alimentar usado que é recuperado evita que sejam poluídos até mais de um milhão de litros de água, num lago, num rio ou no mar. O efeito é enorme! Se estivermos a falar de outros resíduos oleosos, como o são muitos dos aproveitados para este tipo de soluções, os impactos ecológicos evitados são similares.
P: Ainda assim, os biocombustíveis tendem a ter um custo mais elevado em comparação com os tradicionais. Como é que se poderá esbater essa diferença ou, por outro lado, estarão os clientes/condutores dispostos a pagar um extra pelo valor da eficiência energética?
EP: Os consumidores tendem a não ver de forma clara o custo das outras alternativas de transição energética na mobilidade, por este estar perdido entre nova infraestrutura, veículos mais caros (subsidiados), e outros custos para o sistema, mas esta é uma questão muito importante para um país que está hoje a tomar decisões que estão a incentivar mais umas tecnologias do que outras.
A diferença de custo é hoje residual (falamos de 1% ou 2% de um produto que depois de impostos custa na ordem de 1€ a 1,5€) e, com o aparecimento de novas tecnologias que aproveitem melhor os resíduos de menor valor, esta diferença ainda tenderá a esbater-se mais ao longo do tempo.
P: Será realista acreditar em combustíveis sintéticos como forma de travar a subida das emissões poluentes na indústria automóvel atual?
EP: Haverá combustíveis sintéticos, desde que os incentivos certos sejam colocados à indústria. Da mesma forma, com as políticas certas, haverá biocombustíveis avançados em grande escala, tal como haverá cada vez mais veículos elétricos, a gás ou a hidrogénio e outras soluções que só agora se estão a desenvolver. O futuro da mobilidade é assente em multi-tecnologia, e cada vez mais sustentável. Se conseguirmos, enquanto país, montar políticas adequadas que incentivem todas estas soluções pela mesma medida, e se conseguirmos ter atores económicos capazes de continuar a inovar e desenvolver tecnologia de ponta, teremos os ingredientes certos para chegar onde todos queremos: uma mobilidade que nos continue a proporcionar desenvolvimento e qualidade de vida, gerando riqueza para o país e para o mundo sem pôr o futuro do nosso planeta em risco.